domingo, 14 de julho de 2019

A vida às vezes te dá um tempo

Às vezes, o corpo enfraquece, adoece. Foi o que aconteceu naquela sexta, à noite. Tudo ia para fora. Doía-lhe na altura do estômago - ou seria pâncreas, fígado. Não lhe são naturais os remédios. Àquela altura, não lhe ocorre o que pode ser pior. Tudo só sabe doer.

Teria sido o arroz doce? Ou o arroz doce foi a desculpa que o corpo lhe deu? As semanas têm sido de crescimento, mas de grandes desafios. Pequenas conquistas estão lhe alegrando. Ler uma autobiografia de Saramago. Uma delícia. A pós, o pilates, a caminhada. O ânimo a uma possível dieta. Algumas gramas que foram embora. Tudo isso é ponto a favor.

Isso lhe faz reconectar-se com sua criança interior. Ouviu sobre isso essa semana. A criança anda mal cuidada, sob uma pressa e uma eficiência da vida que sempre lhe foram necessárias. Desde o nascimento, que foi à base de fórceps. Sim, ela lutou para nascer.

As negações da vida lhe fizeram forte.O não sempre foi um combustível. Era só dizer que ela não era capaz, que isso já virava uma obstinação. E provava, com louvor, o que alguns diziam que nunca conseguiria. Admiravelmente, faz até três coisas ao mesmo tempo. Como é possível? Nem ela sabe explicar.

Mas, de repente, viu-se com a criança interior. Abandonada. Por isso aquele bota-fora todo. Precisava parar. Respirar. Sentir-se incapaz por alguns minutos. Precisou organizar o que é fé, o que é crença e o que é o seu próprio eu.

Nem sempre é preciso ser forte. É preciso viver cada minuto. A realidade dói, mas é preciso senti-la. Vivenciar essa dor por alguns segundos, ou minutos. Dissolvê-la, com digestão delicada e meticulosa. Ser pai e mãe dessa criança interior. Acolhê-la. Dar o acolhimento que a vida não lhe deu. E não sentir pena de si mesma, mas solidariedade. Entendimento.

É uma nova jornada. Renascimento. Gratidão por todos os vômitos. Aquela dor esvaiu-se. Bem-vinda, criança, adulta. Bem-vinda, vida.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Pequenas vitórias pela vida Sinais da vida a gente recebe todos os dias. Uma frase, uma cena na televisão. É só estar atento. Mas há momentos espetaculares, nos quais esses acontecimentos se comunicam muito intensamente. Foi o que ocorreu nas últimas semanas. Semana passada, em 48 horas, fui pra Cuiabá, São Paulo, Rio de Janeiro e São Paulo. Filho doente, no final de uma escarlatina. Cansaço, poucas horas pra dormir, dois treinamentos completamente diferentes. Cenário bom pra lamuriar. Só que não. Em Cuiabá eu me deparei com uma poesia simples, de uma jovem, que perdeu a batalha para o câncer aos 15 anos de idade. Antes disso, conseguiu escrever como se enxergasse. Aliás, viu mais do que qualquer um. Na hora eu pensei em parar de reclamar por pouco e a agradecer pelas pequenas vitórias da vida. E, principalmente, a perseverar ao olhar o copo meio cheio e não meio vazio. No Rio, consegui uma tarde e um início de noite com a família. Agradeci pela qualidade de tempo acompanhar mesmo que por algumas horas meus sobrinhos, meu irmão, meus pais, cunhada – minha família. No meio do caminho, notícias sobre diagnósticos chatos em família e com os amigos. Todos lutando e seguindo em frente (e um deles – mais um caso de câncer). O que me fez sentir esperança e tristeza simultaneamente. E a mais do que nunca a exercitar a confiança na fé. A escarlatina do filho foi sumindo, a culpa pela distância foi indo embora. E, já em São Paulo, recebo a notícia que dois amigos já estavam se recuperando do susto noticiado dois dias antes. Ufa. A rotina não dá tréguas para digerir tantas experiências em poucas horas. E os desafios continuam. No fim de semana que ficou mais curto ainda por causa da viagem, decidimos ousar. Compramos uma árvore de Natal. Nosso filho entenderia? Não custa experimentar. E foi o máximo de mais uma pequena vitória. “Uau”, “quanta luz”, “Pai Noel”. Frases de encantamento e de comemoração entre pais que lutam diariamente contra e pelo invisível. Dias depois, meu filhote nos surpreende. Mais uma vez. Fez uma malcriação. Já aviso aos críticos: pra pais de autistas, tudo é comemorado. Tudo. Porque é assim que construímos os dias. Com pequenas vitórias. Parafraseando o filme “Procurando Nemo”, exibido exaustivamente durante os dias de “cárcere privado” causado pela escarlatina, Giovani me responde “não tava, não”. Foi a resposta a uma advertência por causa de uma cordinha de uma bola de Natal, pois estava machucando o dedo dele. Um silêncio alegre simbolizou mais uma comemoração – minha e do marido. É, pais de autistas ficam felizes com enfrentamentos. Assim são meus amigos e familiares que estão enfrentando uma doença. Assim é a jovem cuiabana que lutou até onde foi possível. Assim somos nós, que precisamos superar algo todos os dias. De todos os sinais proporcionados pela vida em poucos dias, ficou pra mim o maior de todos: é fundamental agradecer. Pelo mínimo que seja. Senão enxergamos as pequenas vitórias de cada dia, nunca vamos reconhecer a própria vida.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Do limão, uma limonada? Semana difícil. Poucas horas de sono. Muito trabalho, as usual. Algumas decepções inesperadas – é incrível, mas aos 40 você ainda se surpreende com a vida. E, na verdade, é assim que tem que ser. Se pararmos de nos espantar, é porque tudo está acabado. Mas a gente insiste em esperar o que às vezes não vamos receber. Pessoas descumprem o que prometem. E ficamos revoltados, atônitos e com sede de vingança. Sim, sentimos isso. Sem hipocrisia. Ainda mais quando conscientemente investiu-se no melhor possível, com oportunidades a todos, um respeito às diferenças, às limitações. Vontade de fazer justiça, a tolerância fica zero, mas surge o bom senso – um desmancha-prazeres. Afinal, você também erra. E, se foi atingido, é porque tinha afinidade com o seu algoz. O que me faz recordar de duas frases, uma genial e outra assertiva. Ambas inteligentes. A primeira veio de uma chefe, que vez por outra me dizia: “detesto gente boazinha”. A segunda é matadora e caiu no meu colo. "Detesto as vítimas quando elas respeitam os seus carrascos", Jean-Paul Sartre. Seria ousado explicar Sartre. Mas ele foi tão direto, que fica fácil. Na vida, temos várias escolhas. Uma delas é optar entre ser algoz e ser vítima. Muitas vezes fui vítima. Em algumas, fui algoz. Não necessariamente porque quis ser. A vida te faz às vezes cumprir papeis, simplesmente. Rebelde, escolho não ser nenhum deles. Não é bacana passar por cima das pessoas. E não é justo deixar que passem por cima de você. E quando você acha que a semana já pode acabar, ela realmente recomeça, no domingo, com tudo a que tem direito: horário de verão e filho insone. Sua criança acorda às 3h da manhã. Chora, está irritado. Você não sabe se é uma crise do autismo ou se é uma noite ruim. Dá mamadeira. A criança fica mais desperta ainda. O jeito é ligar a televisão e esperar a hora de sair pro seu compromisso. Acabou? Ainda não. Você chega ao metrô e descobre que justo aos domingos há uma obra. Então você precisa pegar metrô-ônibus-metrô. E chega minutos depois do combinado pro seu compromisso. Os sinais de choro até surgem, mas é preciso continuar – explicando melhor, subir as escadas do metrô (porque as rolantes também não funcionam totalmente), entrar na fila, subir e descer do ônibus... A primeira parte da manhã acaba. E você resolve dar um novo rumo a esse cenário. Liga pro marido e combina um café da manhã na padoca mais legal do bairro. E ele vem junto com o pequeno, que nem parece a criança contrariada de horas antes. Feliz, falante (e isso, para pais de autistas, é um néctar dos deuses), comendo. A vida volta a fazer sentido. O aprendizado vai pra alma. E o corpo segue em frente.

domingo, 6 de outubro de 2013

As verdades das últimas semanas

Ultimamente, a vida tem me ensinado em forma de avalanche. Poderia pedir para vir em forma de flocos de neve. Mas prefiro pedir para que os meus olhos mantenham-se avisados. A vida é curta.

Não vou fazer do post um desabafo pessoal. Mas posso - e devo - compartilhar as cerejas do bolo.

Verdade: fatos inexplicavelmente se repetem por uma única razão - para se ter a certeza de que foi feita a escolha certa. Não tem essa de que "poderia". Não foi, amigo, não era para ter sido. Ufa, tive que chegar aos 40 para concluir isso. Pelo menos não vou passar por essa vida sem esse aprendizado.

Verdade 2: nada acontece por acaso. Por isso, não se apresse em julgar o outro ou de bancar o juiz com veredictos. Daqui a algum tempo, você vai entender melhor o porquê disso tudo e vai se sentir bobo porque o que mais te aborreceu faz o maior sentido.

Verdade 3: se você não extrair o melhor das pessoas, elas vão sempre te decepcionar. Se você conhecê-las realmente, não vai esperar o que não é de se esperar delas.

Verdade 4: cada dia, um dia. Quem me conhece sabe que eu brinco com a frase. E é verdade. Devagar, paciência. É assim que se colhe: plantando. O mundo te diz que você tem que ser Mulher Maravilha. Você pode fingir de vez em quando que se esforça pra isso.

Verdade 5: nada vale mais do que a sua família e seus amigos. Eles são reais. Cuide deles.

Seus problemas não vão acabar com essas verdades. Mas, podem ficar menores, não?

Por fim, a melhor resposta é a alegria. Hoje me deparei duas vezes com a frase de São Francisco de Assis. Achei coincidência demais para não compartilhar: " A maior alegria do adversário é quando pode roubar do servo de Deus o gozo do espírito. (...) Mas quando os corações estão cheios de alegria espiritual, a serpente derrama à toa seu veneno mortal". 

Sejamos alegres. Muito alegres. Doidos varridos diante dos problemas, diante da vida. Desafiador, sem dúvida. A gente tem medo de ser punido pela vida por querer ser feliz. Herança secular da humanidade. 

Mas que graça teria se não fosse assim? Faça as suas verdades e aposte nelas!




 




quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A morte da barata

Outro dia, meu filho presenciou a morte de uma barata. Ficamos tão felizes porque ele repetiu “matou barata”, que a comoção com o inseto ficou em segundo plano.

E o fato rendeu: na escola, durante um projeto sobre lagartas e borboletas, ele achou que o contexto era o mesmo: matou uma quase borboleta e achou graça.

Recebi, do colégio, um relato atônito da educadora – “aconteceu algo chato hoje”.

Eu ri. Simplesmente, ri.

Minha alegria de mãe de uma criança  autista vai, por vezes, pelo caminho contrário. Claro, fiquei com dó da pobre lagarta que quase virou borboleta. E expliquei tranquilamente à educadora que ele vivenciou uma experiência de presenciar a avó materna  matar uma barata na sua frente.

Para autistas, contextos são diferentes. O significado é que ele entendeu um contexto e tem dificuldade de entender que é diferente de outra situação. Desafios. Mas que não estragam a alegria de ele entender pelo menos um contexto.

É assim que compreendo o caminho (e que caminho!). Sei que muitos pais, nessa fase, comemoram que seus filhos estão lendo. Eu comemoro que o meu quase não usa mais fraldas aos cinco anos de idade, que sabe as letras do alfabeto, que sabe contar até 20. E comprovo com certa dose de provocação: é uma alegria até maior, porque vem de uma força de superação.

Cheguei a ficar grata em ter lido “A paixão segundo G.H.”, uma relação surreal entre uma mulher e uma barata descrita por nada menos do que Clarice Lispector. E a  recordar de amigas queridas que simplesmente morrem de medo de uma barata. Ri novamente. Só o meu garotinho consegue isso: fazer com que eu ria de coisas estranhas e inexplicáveis.

É assim que vou me lembrar dessa experiência:  que uma simples barata tem milhares de significados, que fatos da vida têm vários lados e que o segredo disso tudo é a sua decisão sobre qual ótica você vai analisar a situação.

E era só uma barata...

domingo, 21 de julho de 2013

Tudo fica menor *



Às vezes tudo se perde. E você tem que recomeçar.


É preciso dar o primeiro passo em alguma direção. Na que te for mais familiar.  Sinais funcionam para isso.


Você começa a perceber que tem gente em pior situação. Gente que é abandonada por pais e que, por alguma sorte, são acolhidas. Há, ainda, o pior: muitas são jogadas às ruas. Outras não têm o que comer.


E assim, você decide não ser mero espectador. Usando coisas simples – um copo de acrílico e flores do campo. Mas que podem transformar muitas vidas. A começar por mim mesma. Nem me acho merecedora, mas já que tenho essa permissão, sigo em frente, torcendo para não perder a chance do contato com o próximo.


Naturalmente, vem uma reflexão: tudo fica menor. A empregada que não sabe se fica ou se vai embora, o pneu que fura, os desafios do trabalho.


Tudo fica menor ainda quando você vê seu filho, mesmo com as limitações que apresenta, interagindo com crianças de várias culturas e níveis sociais. É possível ensinar alguém, mesmo com as limitações do autismo, sobre o que é viver entre diferentes.



Não importa o que tenha acontecido pra trás, o que a gente esteja enfrentando. Tudo fica menor, quando nos lembramos do compromisso que temos com a vida. Aliás, isso faz lembrar a gente do que realmente importa. Corremos muito e ... para qual finalidade, mesmo? É bom a gente se lembrar disso sempre e não de vez em quando.


*esse post foi inspirado no Projeto Lar e na Casa da Prece, que ficam em Osasco, na Grande São Paulo. E no Giovani, minha eterna inspiração.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

A hora de parar

Corremos muito. E não é pelo prazer do exercício (feliz de quem o faz - sim, é um desejo pessoal). 

É pelo ônus/bônus do jogo. A gente entra num automático tal que quando há uma brecha ficamos até confusos. Para que mesmo?

Ouso responder que é para descobrirmos que tudo tem seu tempo certo. E para aprendermos que uma hora temos que parar. Até para continuar correndo em seguida.

Temos que parar a ansiedade, a fome repentina, a insônia implacável, as preocupações que não se resolvem. Parar de vivenciar o problema do outro, de pensar em si mesmo o tempo todo, de sentir pena de si mesmo, de julgar qualquer um e qualquer coisa. De sonhar somente, de ter sempre os pés no chão.

O equilíbrio é difícil. E a receita tem sabor azedo: só chegamos até ele quando conhecemos os extremos. É, precisamos exagerar para saber ponderar. Correr pra parar. Parar pra correr. Refletir sempre.

Não é fácil você descobrir que a resposta estava o tempo todo diante dos seus olhos. Ou melhor: dentro de si. A atenção começa em si mesmo. É se cuidando que conseguimos fazer o que tem que ser feito e a definir o que é realmente importante.


Bom, melhor isso do que não descobrir nunca. Porque a vida é rápida demais.